Música preta, da favela e com orgulho: a trajetória dos irmãos Souza 3l6a1y
Trombonista e trompetista, crias de uma favela em Guarulhos (SP), tocam com artistas como Jair Rodrigues e Roberto Carlos 5p4p3a
Criados em comunidades periféricas de Guarulhos, Ezequiel e Boaz dos Santos Souza superaram a pobreza, o preconceito e a depressão para se tornarem músicos reconhecidos nacionalmente. Hoje, além dos palcos, eles inspiram novas gerações através da educação musical.
A música chegou cedo, mas não veio fácil. Para Ezequiel dos Santos Souza, 36 anos, e Boaz dos Santos Souza, 33, criados entre as vielas da favela São Rafael e do Jardim Las Vegas, em Guarulhos (SP), o caminho mais comum era o da invisibilidade. Mas os irmãos escreveram outra história com instrumentos de sopro. 243836
A paixão começou cedo, nas igrejas evangélicas onde acompanhavam a mãe, dona Francisca. Usavam velhos instrumentos emprestados, mas naquela periferia de Guarulhos havia algo sagrado: a primeira conexão com a arte. “Falei, quero fazer isso. Acabou me tirando da rua. Em local periférico, a gente só aprende o que não presta”, lembra Ezequiel.
Foi na igreja que aprenderam as primeiras notas e ficavam com os piores instrumentos por medo de que fossem roubados na favela. “Meu irmão carregava o trombone numa sacola, aos pedaços. Eu trazia meu trompete numa mochila velha. Realmente teve isso, não tem como tampar o sol com a peneira”, recorda Boaz.
Sem dinheiro para aulas formais, frequentaram fanfarras e projetos sociais. Autodidatas, avam horas estudando. “A gente começou a ver que tinha boy branco na igreja, eles acertavam uma nota, fulano era o máximo, tinha um futuro promissor, e a gente ficava só ouvindo aquilo”, conta Boaz.
A música como futuro profissional e remédio 6q2v4a
Trabalhando desde cedo, os irmãos conciliavam a escola pública com panfletagem, bicos em feiras e ensaios. A música era a rota de fuga. “Ouvi que éramos os neguinhos da favela. Nos ignoravam, debochavam, mesmo quando eu tocava melhor que muitos.”
Por anos, Ezequiel se dividiu entre empregos istrativos e o trombone como hobby. O peso da pressão e da falta de pertencimento o levou a uma depressão profunda. “Tomava remédio, pensei em desistir da vida. Mas a música me salvou. Literalmente.”
Boaz seguiu firme na música. Tocava em casamentos, bandas, gravações. Fundou a Mezzo Coral e Orquestra, para democratizar o o à música de qualidade em eventos. “Os olhos da periferia brilham quando veem um trompete entrando num casamento. Quis fazer isso caber no bolso delas.” Ele se tornou referência, tanto nos palcos quanto como educador.
Dá aulas em projetos em escolas públicas da zona norte de São Paulo e no Instituto Carmela, em Guarulhos. "Muitos alunos são de ocupações, filhos de imigrantes. Um brilho no olhar deles me lembra de onde eu vim."
Ezequiel resolve mostrar a cara e o talento 2q594n
A virada veio para Ezequiel aos 30 anos. Decidiu arriscar tudo e tocar profissionalmente. Começou nos bares, pedindo espaço para uma canja. Chegou com trombone nas costas, bolacha no bolso e muita coragem.
Em poucos anos, ou de apresentações em botecos da Parada Inglesa para palcos com Tribalistas, Andrea Bocelli, Shakira, Roberto Carlos, entre outros. “O que me salvou foi ser leal a mim. Joguei fora os remédios. Meu remédio é a música.”
Os irmãos Souza hoje são nomes respeitados na música brasileira. Tocaram com Sandra de Sá, Luciana Mello, Jair Rodrigues, Mumuzinho, Molejo e tantos outros. Boaz, além de músico, é arranjador e empreendedor. Ezequiel também atua como produtor musical no Sesc. Ainda tocam juntos em projetos como a Banda Preta e apresentações pontuais.
No palco com o rei Roberto Carlos 18154c
Entre os trabalhos marcantes, não dá para esquecer a apresentação com Roberto Carlos em um dos seus famosos cruzeiros. Boaz foi convidado quando tocava no Bar Brahma, em São Paulo. “Sabe quando você olha pro lado e não acredita que é sério. Você chega no clube e tem banner imenso do rei Roberto Carlos, foi sensacional.”
Mais que uma história de sucesso, os irmãos representam um grito coletivo da periferia: a arte pode salvar. “Tem gente que acha que tocar não é trabalho. Nossa mãe sempre dizia: ‘Ele não está indo tocar, está indo trabalhar’”, lembra Ezequiel.
Juntos, eles somam mais de 500 apresentações, premiações e milhares de alunos impactados. Mais do que músicos, tornaram-se símbolos de resistência, superação e pertencimento. “A gente não está só tocando: está dizendo para cada menino preto da favela que ele também pode”, resume Boaz.