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Vídeo engana ao sugerir risco grave após vacina de covid e indica exame e suplemento sem necessidade n412k

FIBRINOGÊNIO E D-DÍMERO PODEM SER ALTERADOS POR DIVERSOS FATORES, COMO INFLAMAÇÕES, QUEIMADURAS, CÂNCER E ATÉ GRAVIDEZ; SUPLEMENTOS INDICADOS EM VÍDEO PODEM TRAZER RISCOS 443n1e

4 jun 2025 - 14h02
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O que estão compartilhando: que pessoas que tiveram covid-19 ou que se vacinaram contra a doença precisam fazer com urgência dois exames que avaliam a coagulação: fibrinogênio e D-dímero. Se os valores estiverem alterados, há sério risco de AVC, infarto e trombose. O vídeo recomenda suplementos para tratar o problema. 3c3x4d

Foto: Reprodução/Instagram / Estadão

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Especialistas ouvidos pelo Verifica explicaram que alterações nos dois exames citados no vídeo não necessariamente significam risco de AVC, infarto ou trombose. Outros fatores como gravidez, infecção ou cirurgia recente podem alterar os valores. Portanto, não há indicação para fazer os exames após se vacinar ou pegar covid - o paciente deve conversar com o médico se houver necessidade. Quanto à suplementação recomendada no vídeo, os especialistas recomendam cautela: ela pode alterar a coagulação, causar reação alérgica e até desencadear doenças se usada indiscriminadamente.

O Verifica tentou contato com a autora do vídeo, mas não teve resposta.

Saiba mais: O vídeo investigado foi publicado no Instagram por uma mulher que se apresenta como "Dra. Sandra Chagas de Andrade". Ela se diz criadora de conteúdo digital e afirma que trabalha com saúde integrativa. O link no perfil leva a um site onde é vendido um tratamento em grupo para "desparasitar, desinflamar e melhorar a digestão".

Não foi encontrado nenhum registro na "Busca por médicos" do Conselho Federal de Medicina (CFM) no nome da autora. Ela tem registro ativo, contudo, no Conselho Federal de Odontologia (CFO). Ela foi procurada através de um número de WhatsApp disponível no site onde vende o curso, mas não respondeu até a publicação deste texto.

O que são os exames de fibrinogênio e D-dímero?

O fibrinogênio e o D-dímero estão relacionados à coagulação sanguínea e costumam ter os níveis aumentados quando o organismo a por uma infecção ou inflamação. De acordo com o médico Armando Lobato, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), é comum que o fibrinogênio e o D-dímero sofram picos durante a covid ou logo após a vacinação. Mas, alerta o profissional, isso não significa automaticamente um risco de trombose.

"Fibrinogênio é uma proteína envolvida na coagulação do sangue", explicou. "Níveis elevados podem indicar inflamação ou risco aumentado de trombose. Como é uma proteína de fase aguda, pode se elevar por causa da resposta inflamatória ao antígeno vacinal, simplesmente sem problema algum".

O pico do fibrinogênio ocorre, em geral, de 48 a 72 horas após a exposição ao antígeno (neste caso, o vírus da covid) e tende a voltar ao normal de sete a dez dias depois, exceto em casos de pessoas que têm doenças inflamatórias crônicas ou outras condições pré-existentes.

No caso do D-dímero, que é produzido a partir da quebra de coágulos, o aumento sugere que houve uma formação e dissolução de trombos. Mas há muitos outros motivos que podem provocar um aumento dos níveis, como gravidez, câncer, cirurgias recentes, inflamações e infecções causadas por várias doenças.

Segundo a médica hematologista e patologista clínica Christiane Pereira Gouvea, integrante da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC-ML), os exames para mostrar os níveis desses dois marcadores não são de rotina.

"Toda vez que eu peço esse exame é porque eu estou procurando algum risco trombótico, mas não necessariamente associado à covid ou à vacina", disse Christiane.

Ela lembra que, na pandemia, esses exames foram muito demandados porque havia uma busca incessante para saber por que alguns pacientes tinham uma evolução fatal e outros não.

"Buscou-se todos os parâmetros e aí ficou o D-dímero como um fator de gravidade, mas não necessariamente um indicador de trombose, mas sim de inflamação", explicou.

Armando Lobato, da SBACV, concorda que apenas a elevação dos níveis não significa que a pessoa esteja em risco. "São exames totalmente inespecíficos e que podem alterar em várias situações e não somente na trombose", concluiu.

Como ficam esses níveis quando a pessoa tem covid ou se vacina?

De acordo com Armando Lobato, os níveis de D-dímero e fibrinogênio aumentam em muitos pacientes durante a covid-19, inclusive em parâmetros bem mais elevados do que quando a pessoa se vacina contra o coronavírus.

Quando o D-dímero aumenta durante a covid-19, isso indica que houve formação e degradação de coágulos no organismo. Isso pode estar associado a maior risco de trombose venosa profunda (TVP), embolia pulmonar e microtromboses em órgãos como rins e pulmões.

Como afirma a hematologista e patologista clínica Christiane Pereira Gouvea, o exame é usado como um marcador de de inflamação e, portanto, de gravidade: quanto maior o nível do D-dímero, maior o risco de complicações.

Já o fibrinogênio costuma aumentar bastante em pacientes com covid-19 por conta da intensa resposta inflamatória. "A covid-19 sim é uma enfermidade com grande risco de trombose", disse Armando Lobato.

Segundo ele, pacientes em casos leves (que ficam em casa) podem ter trombose em 1% dos casos; os internados em enfermaria têm trombose em 8% dos casos; os que vão para o CTI podem ter trombose em 30% dos casos; e nas autópsias, a trombose pode aparecer em 50% a 60% dos casos.

As pessoas que se vacinam contra a covid também podem ter uma alta nos níveis de fibrinogênio e D-dímero, mas esses aumentos são transitórios e, em geral, os níveis voltam ao normal sem necessidade de tratamento. Segundo Armando Lobato, estudos demonstram pequenas elevações transitórias nesses marcadores após a vacinação, especialmente com vacinas de RNA mensageiro, como a Pfizer e a Moderna, e depois da segunda dose.

"Após a vacina, é normal o corpo gerar uma resposta inflamatória leve que pode, em alguns casos, aumentar temporariamente os níveis de D-dímero e fibrinogênio, sem causar sintomas", disse.

Geralmente, esse efeito dura de três a dez dias e não gera sintomas.

Quais os valores de referência para esses dois exames?

No vídeo, a autora do conteúdo apresenta valores exatos de referência para D-dímero e fibrinogênio. Segundo ela, o valor ideal do fibrinogênio é 250 [mg/dL] e se o exame estiver acima de 500 mg/dL, há um "sério risco de formar coágulos e ter um AVC, um infarto ou trombose". Já o D-dímero, diz, deve estar abaixo de 300 [ng/mL]. Mas não é bem assim.

Christiane Pereira Gouvea, da SBPC/ML, aponta que existem várias formas de determinar o D-dímero. A depender da tecnologia ou do aparelho usado por cada laboratório, o resultado pode variar. Por isso, cada laboratório determina um valor de referência para a população com a qual trabalha e o exame deve ser avaliado levando isso em conta.

Também é comum haver falsos positivos, como coagulação formada durante a coleta. Se o valor for muito alterado, o ideal é repetir o exame com um reagente que não dê tanta interferência. Em algumas populações, o valor vai ser alto, naturalmente.

"Gestantes têm os dois valores mais altos, não existe na literatura médica valor de referência para gestante", citou Christiane. "O paciente com câncer pode ter níveis aumentados e, às vezes, o D-dímero é o que faz o diagnóstico presuntivo do câncer: vem aumentado e não tem evidência de trombose".

A hematologista alerta, ainda, que não é porque a pessoa teve um resultado aumentado do D-dímero em um exame que ela está em risco. "A covid pode gerar um interferente laboratorial que a gente chama de 'anticorpo heterófilo' e alguns pacientes desenvolveram esse anticorpo", explicou. "Isso pode interferir no exame e dar um 'superdímero' mesmo depois de um tempo da doença, mas não é algo que vai trazer algum risco para o paciente".

Armando Lobato observa que ter D-dímero ou fibrinogênio elevados não significa automaticamente que a pessoa tem trombose. São marcadores auxiliares, que devem ser analisados junto ao quadro clínico e outros exames.

Mais sobre o temaNão é verdade que vacinas contra a covid-19 liberem fibrinas no sangue

Os suplementos indicados no vídeo devem ser usados para baixar os índices?

Nenhum dos especialistas ouvidos pelo Verifica indica o consumo dos suplementos indicados no vídeo de forma indiscriminada, ou seja, sem o acompanhamento de um profissional médico. Os compostos mencionados pela autora do conteúdo para baixar os níveis de fibrinogênio e D-dímero são nattokinase, quercetina, picnogenol e alho.

A nattokinase, segundo descrição em farmácias que comercializam o produto, é uma enzima encontrada no Natto, um alimento de soja fermentada associada à bactéria Bacillus subtili, tradicional do Japão. A nattokinase costuma ser usada para reduzir a pressão arterial, auxiliar a circulação, prevenir a trombose e a formação de coágulos.

Mas, há contraindicações: não deve ser usada por pessoas com coagulopatia (distúrbios na coagulação) ou que usem qualquer medicamento que influencie a coagulação sanguínea. No final de abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda de dois tipos de nattokinase após denúncia de falsificação.

A quercetina pode ser encontrada em alimentos e suplementos e tem ação antioxidante e antiinflamatória. O picnogenol é extraído da casca do pinheiro marítimo e, segundo a bula de alguns fabricantes, pode ajudar na circulação sanguínea. Já o alho é conhecido pelas propriedades antiinflamatórias e antioxidantes.

Mas, nem por isso, eles devem ser consumidos por quem fez exames de fibrinogênio e D-dímero e percebeu índices aumentados. "Essas substâncias aparecem na literatura como 'acredita-se que' podem ter algum benefício, mas não é nada comprovado. Todas são substâncias naturais, mas têm metabolismo no fígado, nos rins, e podem desencadear doenças latentes", alertou Christiane.

Ela diz que o uso indiscriminado desses produtos pode desencadear alergias ou reações anafiláticas graves. O médico Armando Lobato também afirma não haver validação científica para essas recomendações e aponta que o vídeo é um desserviço.

Mulheres grávidas e pessoas com câncer, que normalmente têm os índices de D-dímero e fibrinogênio aumentados, podem ter complicações sérias se usarem esses produtos, especialmente sem um acompanhamento médico.

Estadão
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