Desprezo à pessoa com deficiência na 'educação inclusiva' 3t145g
Episódio 191 da coluna Vencer Limites no Jornal Eldorado. 18n4i
"Tomem cuidado para não ficar dando vaga para deficientes, porque vocês não estão mais levando eles na escola. Nós não podemos ficar com esse problema, porque não vai dar para nós atendermos todos. Não dá. Tá difícil. Um garoto com problema de autismo, ele significa 20 alunos a mais. Esse é um caso sério a pensar. Mas as mães não estão preocupadas com isso. Elas querem se livrar dos filhos. E que nós que cuidamos deles. Não é certo. Basta vocês aconselharem as mães que têm em casa um deficiente cadeirante. Um cadeirante que não mexe nenhum membro do corpo, nada, todinho torto, não tem condição, cadeirante não tem condição de aprender nada. A mãe leva, sabe por quê? Pra ficar livre". (Celso Furlan, secretário de Educação de Barueri-SP). 145f15
As declarações do agora ex-secretário de Educação de Barueri, na grande SP, gravadas durante uma reunião de trabalho na semana ada, são profundamente capacitistas, desrespeitosas, absurdas e, infelizmente, comuns.
É corriqueiro o pensamento de que crianças e adolescentes com deficiência, exatamente por terem deficiência, são incapazes de aprender e atrapalham o desenvolvimento dos colegas de classe.
Esse entendimento confessado em conversas particulares, informais, costuma ser negado nas falas oficiais, com discursos manjados de defesa da inclusão, mas fica escancarado nas ações, no dia a dia das escolas, na recusa da matrícula do aluno com deficiência, na cobrança da taxa extra, na vista grossa ao bullying, no abandono do estudante com deficiência, especialmente com deficiência intelectual, dentro da própria da unidade de ensino, isso sim um impedimento claro à evolução desse estudante.
O cenário de segregação que famílias de crianças e adolescentes com deficiência enfrentam nas escolas públicas e particulares é reflexo direto da ação de lideranças que pensam como o ex-secretário de Educação de Barueri, porque existem as leis e existem as ferramentas para tornar o ensino ível, mas se não há respeito à legislação, fiscalização efetiva e aplicação dos mecanismos corretos, restam a discriminação e a exclusão.
Pessoas com deficiência não são as responsáveis pela ibilidade, isso é uma obrigação do poder público, dos governos, das instituições e das organizações públicas ou particulares.
Podemos reforçar sempre a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (n° 13.146/2015), que completa dez anos no próximo dia 6 de julho e estabelece (CAPÍTULO IV, DO DIREITO À EDUCAÇÃO) no artigo 27 que "a educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem" e (parágrafo único) "é dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação".
E podemos destacar que a LBI também pune a discriminação da pessoa com deficiência. (TÍTULO II, DOS CRIMES E DAS INFRAÇÕES ISTRATIVAS), artigo 88, "Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência" resulta em pena de um a três anos de prisão, além de multa; essa punição (§ 1°) aumenta em um terço se a vítima estiver sob cuidado e responsabilidade do agente, e (§ 2º) se qualquer dos crimes previstos é for cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza, a pena pode chegar a cinco anos de prisão, além de multa.
Celso Furlan publicou no Instagram uma autodefesa. "Em relação à gravação que circula nas redes sociais, venho a público esclarecer que as declarações foram retiradas do contexto original. Se trata de um recorte. O assunto foi tema de uma reunião de trabalho, onde se discutia a criação de ambientes escolares com mais oportunidades de aprendizado e infraestrutura aos alunos com deficiência. O estudo está em andamento. Barueri é referência em educação inclusiva. Reconheço a importância de uma comunicação clara e respeitosa em todos os momentos. Meu objetivo não foi desrespeitar ou causar qualquer tipo de constrangimento. Repito, se trata de um recorte fora de contexto. Acredito firmemente na valorização da diversidade humana e no respeito à dignidade de cada indivíduo, independentemente de suas características. Continuo aberto ao diálogo e sempre disposto a aprimorar a comunicação para que ela esteja alinhada aos princípios de respeito e inclusão que defendo. A Secretaria de Educação de Barueri está de portas abertas para acolher as famílias. Agradeço a oportunidade de esclarecer sobre o assunto e reafirmo meu compromisso com uma Educação mais justa e humanizada para todos".
E a Prefeitura de Barueri divulgou nota sobre o caso. "A istração municipal de Barueri lamenta o ocorrido e informa que mantém uma politica séria, ética e inclusiva voltada aos cuidados da pessoa com deficiência, seus familiares e cuidadores em nossa cidade. Por oportuno, se faz necessário reconhecer o trabalho que foi realizado durante anos por Celso Furlan à frente da pasta da educação, o que levou o ensino de Barueri a ser premiado e a atingir um nível de excelência reconhecido em todo o País. Por fim, a istração municipal comunica o seu desligamento da Secretaria de Educação na presente data".
O discurso manjado de defesa da inclusão nunca resiste ao desprezo das lideranças às pessoas com deficiência. Para os estudantes com deficiência e suas famílias, é só mais um dia encarando o capacitismo asqueroso de quem tem poder para construir e destruir. Poderia ser o último dia.
