'Ela nem é tão preta assim': fala de Odete Roitman em 'Vale Tudo' expõe racismo estrutural 4t4j6
Fala de personagem de 'Vale Tudo' expõe racismo da elite e levanta debate sobre colorismo 1x32k
A fala de Odete Roitman em "Vale Tudo" destaca o racismo estrutural e o colorismo no Brasil, expondo a lógica de embranquecimento e a necessidade de mudanças profundas no audiovisual para abordar questões raciais de forma mais inclusiva.
"Ela nem é tão preta assim." A frase dita por Odete Roitman (Debora Bloch) no capítulo de segunda-feira, 19, da novela Vale Tudo, da TV Globo, reacendeu um debate antigo: o racismo à brasileira - sutil e muitas vezes negado. 24y1f
A fala surgiu após Celina questionar a matriarca dos Roitman sobre a aceitação de Maria de Fátima (Bella Campos), uma mulher negra, como noiva de seu filho Afonso (Humberto Carrão), no lugar de Solange (Alice Wegmann), uma mulher branca. A resposta de Odete revela mais do que uma opinião pessoal: escancara como a sociedade brasileira ainda tenta apagar as raízes africanas do país.
Ao Terra, a especialista Valéria Oliveira, doutoranda e mestra em Relações Internacionais no IRI-PUC Rio e coordenadora do grupo de estudos Pós-Coloniais da UFG, explicou as camadas de preconceito contidas na cena. Para ela, o racismo presente ali se estende por todas as classes sociais - e também se manifesta na fala de Celina.
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"Se a Celina menciona, já é uma questão. A partir do momento em que vale a pena ser mencionado, já é uma prática de discriminação e desumanização. Ela está trazendo que não entende porque Odete desaprova a entrada de uma Duprat enquanto aprova a entrada de uma menina que é negra. É uma preocupação com a pureza racial da família Roitman."
A preocupação com a pureza da família e a manutenção do nome, por sua vez, são formas que o racismo se manifesta nas elites.
Segundo ela, a resposta de Odete parte da lógica do embranquecimento: "Ela constrói a branquitude como uma raça superior. Então, essa relação de 'ela nem é tão preta assim' está ligada à chave do embranquecimento da nação". A pesquisadora aponta que a associação de pessoas brancas à superioridade foi feita durante o período colonial e se perpetua hoje por meio das relações etnicorraciais. Com isso, a pessoa negra é associada a questões negativas e, portanto, quanto mais próximo da branquitude, melhor.
"Estamos falando disso, de criar uma população que 'não é tão preta assim".
O que é colorismo? 474y6p
Valéria também destaca o papel do colorismo, a hierarquização de pessoas negras com base na tonalidade da pele, na forma como Fátima é tratada. "Uma mulher retinta sofre mais preconceito por causa do ideal de embranquecimento nacional, que aquele que se aproxima mais da branquitude sofre menos racismo. Então, por exemplo, a empregabilidade, a relação na rua, o racismo cotidiano são diferentes." Ao mesmo tempo, cabelo também tem peso. Se uma mulher tiver cabelo crespo, por exemplo, ela pode sofrer mais discriminação, conforme explica Oliveira.
"Isso não significa que pessoas negras de pele clara não sofrem racismo. Elas sofrem como acontece na cena. Você vai sofrer racismo, mas são de formas diferentes."
Falsa aceitação 3d191a
Na avaliação da especialista, o racismo que aparece na novela não é apenas estrutural, mas também funcional. A aceitação de Maria de Fátima se dá, segundo Valéria, porque ela cumpre uma função: "Ela está sendo aceita a partir da função dela. Dela ser mais agradável. Dela tolerar as falas problemáticas cotidianas em nome da ascensão social. E, para ela ascender socialmente, ela precisa fazer o que a Odete quer."
Mas esse pacto é frágil: "A partir do momento em que Maria de Fátima parar de cumprir a função ou fizer algo que desagrade Odete, veremos um processo em que Odete tratará Maria de Fátima como descartável."
O papel das novelas 443q2a
Para a pesquisadora, as novelas têm papel crucial no debate racial. "Elas têm um alcance enorme, estão dentro da sala de milhões de pessoas cotidianamente. Nesse sentido, ela pode ser uma ferramenta muito útil para a discussão de questões sociais".
Ela reforçou que após a cena em que Lucimar (Ingrid Gaigher) decide pedir pensão alimentícia para o filho Jorginho (Rafa Fuchs), fruto de um relacionamento com Vasco (Thiago Martins), teve um impacto direto nos lares brasileiros.
Conforme a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, a procura pelo aplicativo do órgão, onde é possível agendar atendimento para regularizar pensão alimentícia, teve 4.560 os por minuto após a exibição da cena. O normal é de 1 mil os.
No entanto, não é o suficiente falar sobre questões etnicorraciais ou ocupar 50% dos papeis do elenco por pessoas negras, como a Globo se comprometeu a fazer, conforme Oliveira. "A novela não é feita só de elenco, a novela é feita por um roteirista, a novela é feita por uma pessoa que dirigiu, e esses cargos têm tanto poder, se não mais, do que o próprio ator que está comunicando com o corpo".
"Então é necessário uma transformação transversal no audiovisual brasileiro".