
Sede da COP30 e dono de 60% da Amazônia, Brasil patina para ser reconhecido como líder climático 3p612r
Especialistas citam desafios ambientais mesmo após avanços do País na redução do desmatamento e na liderança em energia renovável p62h
O Brasil sediará pela primeira vez a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, em novembro deste ano, em Belém, no Pará. E a dúvida que fica é: essa escolha inédita certifica o País como um líder climático? O dono de 60% da Amazônia --a maior floresta tropical do mundo-- serve de exemplo de ambientalismo para seus pares? w336u
- Glossário da COP30: veja o significado dos termos mais usados
Perguntas complexas que vão muito além do "sim" ou "não". As respostas estão nas entrelinhas do contexto histórico do Brasil, que recebe a COP30 um ano após enfrentar sua pior seca desde 1950, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Foram 30,8 milhões de hectares consumidos pelas queimadas --área superior a todo o território italiano--, de acordo com o MapBiomas. O cenário se completa com os impactos das enchentes no Rio Grande do Sul em maio de 2024, a maior catástrofe climática já registrada no Estado.
E, em meio a tantos efeitos colaterais do aquecimento global, o governo brasileiro busca coordenar uma participação mais ativa do País no debate ambiental. É o que apontam especialistas entrevistados pelo Terra, que destacam a volta de Marina Silva ao Ministério do Meio Ambiente e a reafirmação das metas do Acordo de Paris na COP29, no Azerbaijão, em 2024, como símbolos dessa postura.
Em contrapartida, a pouco menos de 6 meses do evento, alguns temas controversos têm ganhado o noticiário nacional, como a flexibilização do licenciamento ambiental e a exploração de petróleo na Amazônia. O que mostra a falta de linearidade no comprometimento ambiental do Brasil.
Por que a COP30 será no Brasil? 5z5x
O Brasil possui características que o tornam um ator-chave na agenda climática global, que incluem seu território preservado e um enorme potencial para soluções baseadas na natureza e estratégias de remoção de carbono, segundo especialista em estratégias climáticas Lucas Carvalho.
Para ele, o País consolidou sua liderança climática ao longo dos anos, especialmente com seu papel na elaboração e aprovação do Acordo de Paris em 2015, além de contar com uma matriz energética majoritariamente composta por energias renováveis.
Carvalho ressalta que o atual governo brasileiro tem dado novo impulso a essa posição de liderança. "O governo Lula é muito mais inclinado para a questão ambiental do que o anterior, com uma equipe ministerial reconhecida internacionalmente”, argumenta. O especialista explica que a escolha do Brasil para sediar a COP30 não foi casual, mas resultado de um esforço político estratégico para reposicionar o País como ator central no cenário ambiental internacional.
Dan Ioschpe, eleito campeão de Alto Nível do Clima da COP30, reforça o papel estratégico do Brasil na agenda climática global. "O Brasil é um líder em soluções para todo o tema climático", afirmou, destacando que o País pode ser decisivo para o cumprimento das metas do Acordo de Paris. "Com a COP30 no Brasil, vamos poder mostrar ao mundo todas as nossas soluções", disse ele ao relacionar a ação climática ao desenvolvimento socioeconômico.
O ex-presidente Michel Temer (MDB) resgatou a trajetória histórica dessa liderança. "A primeira reunião mundial [sobre clima] que se deu foi aqui em 1992". Ele se referia à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), também conhecida como Cúpula da Terra ou Rio-92, que aconteceu no Rio de Janeiro. Para Temer, essa tradição consolida o Brasil como "símbolo de proteção do meio ambiente", posição que acredita ser reforçada pela atual mobilização em torno da questão climática.
Segundo a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, sediar a COP30 representa uma oportunidade concreta de mostrar ao mundo que o Brasil pode ser um dos caminhos para a transformação da economia global. Para ela, a agenda climática também é uma ferramenta poderosa de transformação da imagem internacional do País.
"O Brasil precisa estabelecer narrativas inovadoras, contemporâneas. Enfrentar de fato o que é ilegal, como a questão do desmatamento e do garimpo ilegal. Mas, por outro lado, promover soluções com o setor privado, onde o Brasil já avança em mitigação e descarbonização" --Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente
“Tá na hora, como eu gosto de falar, de deixar de falar mal do Brasil e começar a falar bem do Brasil. E apaixonar-se, pactuar que as questões climáticas e a crise com a natureza são muito sérias. O país tem que lidar com isso como adulto, e não com disputas políticas pequenas que só diminuem o Brasil. Temos um caminho enorme pela frente", completa Izabella.
Mais ações, menos discursos 654e6l
Sediar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas é importante, mas não suficiente para considerar o Brasil um líder climático. Para ser digno do título, segundo o cientista Carlos Nobre, é preciso adotar medidas proativas e significativas para combater as mudanças climáticas. Isso pode envolver a redução de emissões de gases de efeito estufa (mitigação) e a criação de medidas para combater os impactos causados pelo aquecimento global e pela emissão de gases (adaptação).
Por isso, para o doutor em meteorologia e referência mundial em mudanças climáticas, o País ainda está em busca dessa liderança. "Quando a gente olha para o Brasil, a maioria dos países em desenvolvimento está muito atrasada na busca de adaptação aos eventos climáticos extremos. Todos os países do mundo estão atrasados, mas principalmente os países em desenvolvimento."
Nobre aponta que, apesar do comprometimento com o Acordo de Paris e a renovação das metas climáticas no ano ado, o Brasil ainda é um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo por causa da forte atividade agropecuária.
“Há pouco preparo contra os extremos climáticos. E na questão das emissões, o Brasil já chegou a ser o quinto maior emissor do mundo. Em 2023 e 2024, nós conseguimos uma boa redução do desmatamento na maioria dos biomas brasileiros. Ano ado, éramos o sétimo país que mais emitia, mas, quando avaliamos a emissão per capita por habitante, nós alcançamos o mesmo número da China”, afirma.
Na busca pela liderança climática, o Brasil ainda protagoniza uma série de contradições. O governo federal, por exemplo, está em campanha para que a produção de petróleo seja ampliada por meio da exploração da foz do rio Amazonas. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já defendeu pessoalmente o assunto, que vai na contramão do que especialistas ambientais apontam ser o caminho de um desenvolvimento sustentável.
Principais problemas climáticos do Brasil i3y4f
Na COP29, o governo federal apresentou a nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), também conhecida como meta climática, que tem como base o Acordo de Paris firmado em 2015. O Brasil se comprometeu em reduzir as emissões líquidas de gases-estufa de 59% para 67% até 2035, em comparação aos níveis de 2005. Com isso, o teto de carbono do País deve ficar entre 0,85 e 1,05 gigatoneladas (GtCO2) até 2035, ou seja, as emissões nacionais de todos os setores precisam estar limitadas a esses valores nos próximos 10 anos.
A nova meta marca um contraste com a chamada "pedalada climática" de 2020, quando o governo de Jair Bolsonaro (PL) alterou a metodologia de cálculo, reduzindo a ambição climática do País. Na época, as metas foram ajustadas para permitir emissões de até 1,76 bilhão de toneladas em 2025 e 1,6 bilhão em 2030, segundo o Observatório do Clima.
Cumprir a nova NDC a partir de 2025, como proposto, pode ser um desafio. Em 2024, os mais de 30,8 milhões de hectares queimados em todo o território nacional representaram um aumento de 79% em relação a 2023 --o maior índice desde 2019, segundo dados do Monitor do Fogo do MapBiomas. O fenômeno foi agravado pelos efeitos combinados do El Niño (2023-2024) e de uma prolongada estiagem, que deixou a vegetação mais vulnerável a incêndios.
A Floresta Amazônica cumpre uma função vital para todo o planeta. Atuando como um imenso reservatório de carbono, suas árvores absorvem CO2 da atmosfera, armazenando-o em sua biomassa --troncos, folhas e raízes. Esse processo natural transforma a floresta em um regulador climático global.
Mas a importância da Amazônia vai além do sequestro de carbono. Através do processo de evapotranspiração, a floresta gera os chamados "rios voadores", massas de ar carregadas de umidade que viajam pela atmosfera. Esses cursos d'água são responsáveis por levar chuvas para as principais regiões agrícolas do Brasil --Centro-Oeste, Sudeste e Sul-- e ainda influenciam os regimes de precipitação em países vizinhos como Argentina, Paraguai e Chile.
No entanto, esse sistema climático natural está sob grave ameaça. A Amazônia concentrou 58% de toda a área queimada em 2024, com 17,9 milhões de hectares destruídos, um recorde dos últimos seis anos. Entre junho e agosto do ano ado, os 2,4 milhões de hectares devastados emitiram 31,5 milhões de toneladas de CO2 equivalente --volume que representa 97% de todas as emissões anuais da Noruega. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), integrado ao Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), esse valor representou um aumento de 60% em relação ao mesmo período de 2023.
A situação é ainda mais preocupante quando o estudo do IPAM analisa os danos a longo prazo. Mesmo após o cessar das chamas, a vegetação morta continua liberando gases nocivos através do processo de decomposição. Estima-se que nos próximos 5 ou 10 anos, mais 2 a 4 milhões de toneladas de CO2 equivalente serão gradualmente emitidas na atmosfera por esse mecanismo.
Mercado de carbono 6b4b4w
O mercado de carbono é recente no País, já que a lei que regulamenta o setor e cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) foi sancionada em dezembro de 2024, há cerca de seis meses. Virgílio Viana, superintendente da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), afirma que apesar da lei sancionada, ainda há a urgência de criar uma agência reguladora específica para o setor no Brasil para garantir segurança jurídica e eficiência técnica.
O setor florestal é o maior gerador de créditos, segundo ele, que destaca oportunidades em outras áreas, como saneamento básico e tratamento de resíduos. Como explica Viana, o maior potencial está na restauração de florestas e no combate ao desmatamento, que além de favorecer o sequestro de carbono, gera emprego e renda.
O superintendente da FAS defendeu que a COP30 seja o marco para o Brasil apresentar um mercado de carbono operante. "Precisamos sair do discurso e mostrar resultados concretos. Nós estamos trazendo empresas da Índia para certificar projetos no Brasil, quando temos milhares de universitários formados em nossas universidades que poderiam criar empresas capacitadas para essa função", destacou ele durante o Fórum Lide COP30.
Avanços na busca pela liderança climática 3o2215
O Brasil já teve alguns avanços em relação às novas NDCs propostas no ano ado. De acordo com o Relatório Anual de Desmatamento, do MapBiomas, o Brasil registrou queda de 32,4% na área total desmatada em 2024 em comparação com 2023.
Desde 2019, é a primeira vez que todos os biomas apresentam redução na área desmatada, com exceção da Mata Atlântica. A maior parte dos 1.242.079 hectares desmatados ocorreram no Cerrado e na Amazônia (83% considerando os dois biomas).
A pesquisa mostra que, desde 2019, o Brasil teve 10 milhões de hectares desmatados. Ao todo, 97% estão ligados à pressão agropecuária. Entre os fatores que também ocasionam desmatamento estão a expansão urbana, garimpos, estradas, empreendimentos de energia renovável e eventos climáticos extremos.
Segundo o cientista Carlos Nobre, 50% das emissões de gases de efeito estufa vêm do desmatamento dos biomas. “Pela primeira vez em muitos anos, tivemos uma redução do desmatamento em 2023 e 2024. O plano do governo federal e de alguns governos estaduais é zerar o desmatamento até 2030. Se a gente conseguir isso até 2030, a gente já reduz 50% das emissões”, explica.
O impacto das enchentes do Rio Grande do Sul no ano ado, por exemplo, foi responsável por perdas de mais de 3 mil hectares de cobertura vegetal na Mata Atlântica. Por isto, este foi o único bioma que não apresentou redução na área total desmatada.
Outro ponto positivo que pesa a favor do Brasil é a transição energética. O País está avançado no que se refere à geração de energia renovável, como a solar, a eólica, a biomassa, a oceânica e a geotérmica.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), entre 2024 e 2025, a matriz elétrica brasileira atingiu a marca de 88,2% de participação de energias renováveis, sendo que a eólica e a solar corresponderam a 24% desse total.
“O Brasil tem todas as condições de ser o primeiro país de grande emissões a zerar essas emissões até 2040. Durante o G20 no Rio de Janeiro ano ado, o presidente Lula lançou o desafio de todos os países para zerar as emissões até 2040, não mais que 2045”, explica Nobre.