Exoneração é solução? Sérgio Camargo e os efeitos colaterais do racismo 3mcy
Pessoas negras são induzidas desde cedo a se odiar, se rejeitar e desejar ardentemente embranquecer 485m24
O racismo, o machismo e a hierarquia de classes são altamente discursivos e construíram a narrativa da inferioridade e insuficiência humana de sujeitos e grupos. Esse discurso ecoa por todos os cantos do mundo e tem efeitos específicos em cada local onde é/foi ouvido e assimilado. Mas todos eles têm um único objetivo: esvaziar nossa força individual e, consequentemente, coletiva. 4f323
No Brasil, por exemplo, esse discurso tem formado ao longo dos séculos um verdadeiro exército de pessoas que se odeiam tanto que fazem qualquer coisa para alcançar o inalcançável: deixarem de ser quem são e ser aceito no grupo que se colocou como ideal de superioridade e valor humano. Devemos entender essas pessoas como sub-opressores. Mas o que são sub-opressores?
Na definição de Paulo Freire, que cunhou o conceito em ‘Pedagogia do Oprimido’, são aqueles sujeitos que, embora inseridos nos grupos oprimidos, seja pela raça, gênero ou classe, e portanto, sem poder social para oprimir, reproduzem as práticas de violência e desumanização que sustentam e constroem o ambiente social opressor.
Mas um sub-opressor não nasce de maneira aleatória ou espontânea, apenas como produto de uma relação tortuosa e imatura consigo mesmo (baixa autoestima). São produtos ou efeito colateral da estrutura social deformada pela ideia de hierarquia e supremacia que nos divide em humanos e sub-humanos, tendo na autoestima um dispositivo central programado para a fragilização (mental ou subjetiva) de indivíduos e, consequentemente, dos grupos sociais que ocupam.
Um exemplo marcante desse produto ou efeito colateral é Sérgio Camargo, que acaba de ser exonerado do ilustre cargo de presidente da ilustre Fundação Palmares, órgão federal criado em agosto de 1988, que entre outras coisas, tem cumprido papel expressivo, embora ainda insuficiente, na construção nacional da autoestima negra, atuando principalmente pelo viés da valorização e resgate cultural e histórica.
Um homem negro empenhado na reprodução incansável das práticas racistas a que ele mesmo é exposto desde que nasceu e que causa espanto, ojeriza, indignação, repulsa, ódio e toda sorte de sentimentos negativos em todos os grupos sociais. O ódio direcionado a ele é totalmente compatível com as ações elencadas pelo jornalista que se auto define como conservador.
Mas, infelizmente, não tem causado reflexões mais profundas sobre sua previsível contradição diante das questões sociais que o atingem como homem negro que é.
A pergunta que deveria ser repetida à exaustão, em todos os cantos da sociedade, a cada ação odiosa de Camargo à frente da Fundação, deveria ser: mas o que a sociedade essencialmente formada a partir do ódio racial e desumanização de pessoas negras espera como resultado de séculos de açoites visíveis e invisíveis? Uma pessoa negra capaz de construir uma relação saudável consigo mesma e com seus iguais">Então, como os mais atentos sabem, nem de longe a exoneração de Sérgio Camargo representa o fim de um problema. Na verdade ele representa o sintoma de uma patologia social que avança livremente, contaminando e atravancando todas as lutas por emancipação e transformação e se nós não aprendermos a converter indignação em análise focada na construção de ações estratégicas, essa patologia vai destruir a todas, todos e todes.