
'Olhar com o coração': mãe de Nickollas Grecco revela 'confidência' de Neymar e sonho de narrar ao filho Mundial do Palmeiras t456b
História do torcedor, que é cego e tem autismo leve, foi reconhecida mundialmente após aparecer ao lado da mãe, sua 'narradora' 2f6r5r
“Explicar a emoção de ser palmeirense a um palmeirense é totalmente desnecessário. E a quem não é palmeirense... É simplesmente impossível”: a célebre frase do jornalista Joelmir Beting se aplica à paixão que nasceu no peito de Nickollas Grecco em março de 2012, quando o então garotinho de quatro anos acompanhou a sua primeira partida do Palmeiras. Neste domingo, 15, essa mesma paixão, que domina o coração alviverde do agora jovem de 18 anos, empurra o Verdão na estreia na Copa do Mundo de Clubes da Fifa contra o Porto, de Portugal, às 19h. 1d213l
- Essa reportagem faz parte do especial Volta ao Mundo em 90 Minutos, que conta histórias envolvendo as experiências de Flamengo, Palmeiras, Fluminense e Botafogo no Mundial de Clubes
A história de Nickollas Grecco e sua mãe Silvia, de 63, não começou em 2018, quando as câmeras de televisão registraram, pela primeira vez, a relação da família com o Palmeiras. Começou na luta de uma mãe que, em um gesto de amor, entrou na fila de adoção por um garotinho que nasceu prematuro, aos cinco meses de gestação, o que fez com que suas retinas não fossem formadas.
Da mesma maneira que o destino quis que Nickollas e Silvia se encontrassem, a relação entre o garoto e o Palmeiras começou naturalmente, graças à influência da mãe. Sempre de braços dados com o filho, ela recebeu a reportagem do Terra para uma entrevista exclusiva na casa da filha mais velha, Marjorie, em São Paulo --coincidentemente ou não, os dois trajavam roupas verdes para a ocasião.
“Palmeiras significa muito porque é uma memória afetiva, porque eu sou palmeirense desde criança, então me traz a memória afetiva do meu pai, de tudo que eu vivi desde a minha infância. Palmeiras para mim é vida mesmo, é história, é amor, é uma coisa diferenciada no meu coração”, diz Silvia.
Ela conta que lembra ‘como se fosse hoje’ a primeira partida do Palmeiras em que levou o filho: foi em 4 de março de 2012, quando o clube alviverde subiu ao gramado do estádio do Pacaembu para encarar o São Caetano, em duelo válido pelo Campeonato Paulista.
Apesar do placar final de 0 a 0 e do desempenho aquém do esperado da equipe comandada por Luiz Felipe Scolari, com nomes como Marcos Assunção, Valdívia e Deola, ali nascia uma paixão que, anos mais tarde, comoveria o mundo em seu significado pela representatividade das pessoas com deficiência.
“Lembro que até tentei colocar o fone de ouvido no Nickollas porque eu não sabia qual seria a reação dele, até por conta da torcida, do barulho. Mas ele tirou o fone e pulou o jogo inteiro, saiu de lá gritando: 'porco, porco'. Ali, tive a certeza de que eu teria companhia para o resto da vida nos meus jogos do Palmeiras.”
Mas o amor de Nickollas pelo Verdão não veio sem susto para Silvia que, assim como todas as mães de jovens fãs de futebol no começo da década de 2010, se deparou com o filho encantado por Neymar, que já esbanjava talento com a camisa do Santos.
Contra todas as expectativas, a mãe contou com o apoio do jovem craque, que jogava pelo rival, para convencer o filho a seguir sua paixão pelo Palmeiras. “A princípio achei que ele fosse torcer para o Santos, porque a figura do futebol dele era o Neymar. Como ele gostava muito, levei o Nickollas à Vila Belmiro para conhecê-lo. O Neymar pegou ele no colo, mostrou aquele cabelo arrepiado que tinha, e eu falei: 'Neymar, conta para que time você torcia quando era criança?'".
“Ele deu risada e respondeu: ‘Ô tia, assim você me complica’. Eu perguntei de novo: ‘É verdade que você torcia para o Palmeiras, né?’, e ele respondeu: ‘É sim Nickollas, eu torço para o Santos, jogo no Santos, mas, quando eu era pequeno, era palmeirense’. Falei: ‘Tá vendo Nickollas? Até o Neymar é palmeirense', foi uma forma de convencê-lo, né?”.
Do anonimato das arquibancadas aos palcos do mundo 5r161r
Seis anos distanciam os primeiros jogos do Palmeiras de Nickollas até o reconhecimento dele e de sua mãe. Nesse período, Silvia teve de encontrar maneiras para transmitir as emoções dos jogos para o filho. Foi então que ela teve a ideia de narrar tudo o que via em campo para o garoto.
A mãe conta que teve de se aperfeiçoar nas regras e nomenclaturas do futebol para ar o máximo possível de informações para o filho. Por outro lado, por mais que ficasse mais ‘técnica’, ainda era a narração de uma ‘torcedora’.
“Quando comecei a levá-lo, me preocupei porque ele pulava muito, literalmente o jogo todo, e não queria o fone, ele só sabia o que estava acontecendo por conta da torcida, pelas reações. Então comecei, aos poucos, a ir falando do jogo. E ele sempre pedia mais, mais... Então, eu fui me aprimorar no tiro de meta, no escanteio, para poder explicar direitinho para ele. E é uma narração de torcedora, que xinga, que fala, e é assim, exatamente tudo o que eu sinto é o que eu vou ando durante o jogo.”
E foi dessa maneira que a família roubou a atenção do jornalista Marco Aurélio Cunha que, durante um clássico entre Palmeiras e Corinthians, desviou os olhos do gramado e, como diz Silvia, ‘enxergou com o coração’ ao se deparar com uma mãe sussurrando incessantemente no ouvido do filho em meio ao barulho das arquibancadas do Allianz Parque. O repórter da TV Globo destacou a história durante o intervalo da partida e ninguém poderia imaginar o que aconteceria a partir de então.
“A repercussão me chamou muito a atenção, porque pensei: ‘Puxa vida, como a pessoa com deficiência é invisível, né? Tantos anos e ninguém perguntou o que era que eu estava falando no ouvido do meu filho. Então, achei legal levantar essa bandeira de que a pessoa com deficiência pode estar ali, cega, sem o radinho, e curtindo o futebol”, conta.
De torcedores, Nickollas e Silvia foram alçados ao status de celebridades entre as arquibancadas do Palmeiras. Tanto que, na primeira partida após a exibição do relato, a mãe foi abraçada por outros pais de filhos com deficiência que a agradeceram pela representatividade: “Aí, eu percebi que valeu a pena tudo que está acontecendo.”
Quem primeiro ‘abraçou’ mãe e filho foi o próprio Palmeiras, que os convidou para fazer um tour pelo Allianz Parque e conhecer o elenco. Dessa aventura, Silvia se lembra com carinho da recepção de Felipão: “Ele faz parte da nossa história porque, quando a gente foi visitar o CT, ele fez uma roda com todos os jogadores e apresentou fisicamente quem era cada um, pediu para eles falarem para o Nickollas reconhecer pela voz, foi maravilhoso”.
Mas não parou por aí. A história dos dois ganhou o mundo e, em 2019, foi escolhida pela Fifa para representar o Brasil na escolha do ‘torcedor do ano’ durante a premiação ‘The Best’, que seleciona os melhores jogadores do mundo na temporada. Para a própria surpresa, Silvia e Nickollas foram premiados por sua trajetória no evento, que teve a participação de estrelas como Cafu, Roberto Carlos, Kylian Mbappé, Lionel Messi, entre outras.
“O Nickollas ficou emocionado, fui falando para ele quem estaria lá e tivemos a oportunidade de conhecer cada um. Quando fiz o discurso, as pessoas falavam que eu tinha falado bem, mas só Deus sabe como batia um joelho no outro e o tamanho da emoção e da ‘tremedeira’. Eu sempre dou meu braço para o Nickollas andar, mas ali era eu quem me apoiava firme no braço dele, para ele me dar força.”
No emocionante discurso, Silvia não deixou de lado a bandeira que prometeu erguer desde que sua história foi reconhecida, a das pessoas com deficiência. Além de ‘narrar’ o palco com as maiores estrelas do futebol mundial para o filho, a mãe exaltou o potencial transformador do esporte.
“Nickollas, aqui na frente estão muitas pessoas, muitos jogadores, muitos ídolos, estamos aqui representando nosso time, Palmeiras, e todos os torcedores do Brasil e do mundo, todos aqueles que torcem pela pessoa com deficiência. O futebol pode transformar a vida dessas pessoas, e o simples gesto de narrar os jogos para o meu filho, tivemos a oportunidade de um jornalista da TV Globo, Marco Aurélio Souza, nos ver com os olhos do coração”, declarou.
'Gol de presente’ em final e sonho de narrar o Mundial 213g62
A proximidade com o dia a dia do Palmeiras fez com que Silvia e Nickollas se tornassem conhecidos pelos jogadores e convidados a participar de eventos íntimos dos atletas, e vice-versa. A família, por exemplo, já foi a jantares na casa do goleiro Weverton, em confraternizações da equipe aos finais de ano e até ao casamento de Deyverson, hoje jogador do Fortaleza.
E foi pelos pés do ex-camisa 9 do Verdão que o torcedor ganhou o que considera um dos ‘presentes’ mais importantes de sua vida: o gol que deu o tricampeonato da Libertadores em 2021, contra o Flamengo, em Montevidéu, no Uruguai.
Mediado pela mãe, o rapaz conta que o atacante esteve presente em sua festa de aniversário, ao fim de outubro de 2021 e, lá, fez o pedido especial.
- -- Qual o seu gol mais importante, Nickollas?
- -- O da Libertadores.
- -- Gol de quem que foi o mais importante?
- -- Do Deyverson.
- -- Mas tem um motivo, né? Ele foi lá casa, para fazer o que mesmo?
- -- Dar os parabéns.
- -- Era teu aniversário?
- -- Era.
- -- E ele te levou um presente? O que ele levou?
- -- Uma chuteira.
- -- Mas não ficou só na chuteira. O que você falou para o Deyverson?
- -- Quero que você faça o gol do título da Libertadores.
E o atacante não decepcionou Nickollas e os 16 milhões de palmeirenses. Ao entrar no segundo tempo da partida, com o placar em 1 a 1, Deyverson robou bola de Andreas Pereira, disparou em direção ao gol e chutou baixo. A bola ainda desviou nos pés do goleiro Diego Alves e morreu no fundo da rede, dando o tão sonhado tricampeonato, bi consecutivo, ao Verdão. Um presente em especial para Nickollas, prometido pouco menos de um mês antes.
A decisão continental foi mais uma entre as várias decisões e eventos para os quais Nickollas e Silvia foram convidados como representantes da torcida do Palmeiras. A família também foi a decisão de Mundial, mas a mãe ainda guarda no peito a narração de ‘é campeão’ para uma disputa internacional.
“Nós temos uma história de narração de tantos títulos, mas confesso que o sonho é narrar o título do Mundial. Não narrei o de 1951 porque ainda não era nascida e, agora, estamos em busca do segundo. E não existe essa de que o Palmeiras não é campeão mundial porque é sim. Quem diz o contrário é dor de cotovelo, mas não tem problema”, diz a palmeirense aos risos.
Para além de todo o reconhecimento desportivo, Silvia reforça que a trajetória ao lado de Nickollas é pelo reconhecimento à causa das pessoas com deficiência. “Eles existem, eles podem tudo. É importante que eles estejam em todo lugar e que a torcida do Palmeiras continue fazendo o que fazem com o Nickollas mas não só com ele, com todos os torcedores com deficiência, que respeitem, que amem, que incluam eles na torcida.”
“Nós já levamos amigos do Nickollas que nunca tinham ido ao estádio e eles se emocionam, perguntam que horas sai o gol (risos). É muito significativo, principalmente para ele que enxerga com o coração. A emoção para ele é diferente da nossa, que estamos vendo. Para ele, não importa se o jogador que está em campo é branco, preto, gordo, magro, alto, baixo. É o jogador, o ídolo, então não tem preconceito, tem amor. Minha mensagem é essa”, disse sem esconder a emoção.
"Futebol é transformador na vida das pessoas e, na vida da pessoa com deficiência, ele transforma muito mais. (...) Continue amando o seu time, mas ame olhando as pessoas com o coração, isso faz uma diferença enorme."