No 'Aquecimento Terraiá', Forró das Minas revela resistência da indústria: 'Sempre tentamos valorizar o cachê' 4w6v4z

Não é difícil ver mulheres fazendo carreira como cantoras e compositoras de forró. Mas na hora de carregar a zabumba e a sanfona, a quem é dado esse espaço? É a partir do incômodo de uma produtora com a ausência de mulheres em bandas do gênero que nasce o Forró das Minas.  4d665k

Fundado por Andressa Ferri em 2018, o coletivo é o segundo convidado do Aquecimento Terraiá, que foi ao ar nesta quinta-feira, 29.

No programa, o grupo reflete sobre a falta de representação feminina em um universo tão masculino como o do forró e critica a resistência da indústria musical em contratar mulheres instrumentistas para grandes eventos.  

'Sempre como cantora, nunca como sanfoneira' 5m43h

O ano era 2013 e o Brasil se surpreendia com a presença de Lucy Alves no The Voice, da TV Globo. O motivo era mais que a voz doce e a identidade 'raiz' tão bem definida pela artista. As pessoas se impressionavam, na verdade, com o objeto pesado que ela carregava em frente ao corpo: a sanfona. 

Em um universo tão masculino como o forró, o público se acostumou a ver figuras femininas comandando microfones, como Elba Ramalho e Mariana Aydar.

Há também outros nomes que compam sucessos e fizeram história no ritmo mas, por vezes, ainda são conhecidas como as "musas inspiradoras" ou as "companheiras" de algum homem igualmente famoso, como Amelinha e Anastácia. No entanto, a presença de mulheres instrumentistas sempre foi rara. 

Amante de um bom arrasta-pé, a paulistana Andressa Ferri sentia essa ausência a cada evento que comparecia. Em cada show, a produtora olhava em volta e quase não via mulheres iguais a ela. Era um espaço ocupado por homens, como tantos outros. 

Inquieta e inconformada com a falta de representação feminina, Andressa teve uma ideia: criar seu próprio coletivo de forró para mulheres, onde pudesse formar instrumentistas e fazer do gênero musical um caminho para a autonomia. 

"Você não via uma musicista compondo os trios, as bandas de forró. Era, no máximo, cantando e no backing vocal. Hoje você já começa a ver, mas as formações ainda são, na sua predominância, masculinas. A mulher está sempre no lugar de cantora, nunca como sanfoneira" , relembra. Dessa necessidade nasceu o Forró das Minas. 

O coletivo que hoje conta com mais de 60 integrantes foi fundado pela paulistana em março de 2018. De lá para cá, foram inúmeros 'nãos', recusas de cachês e muita paciência para lidar com um mercado ainda tão masculino.

'A mulher entra na cota' 4k1qp

ados 7 anos, o grupo segue na promoção de shows, festivais, palestras, cursos e oficinas para mulheres de todo o Brasil. No entanto, o cenário musical do forró está longe de atingir o seu 'mundo ideal' quando se trata de representação feminina.

"Como faço a produção do grupo, eu percebo que ainda existe uma resistência em colocar bandas femininas nos eventos, tanto nas casas de forró quanto nos festivais", revela Andressa ao Aquecimento Terraiá. 

"Em festival, você não vê bandas femininas. Vê uma DJ, uma cantora... Mas a banda é masculina. Aí ela entra na cota para falar que tem mulher no festival", completa. 

Para preencher essa lacuna, o coletivo criou seu próprio evento musical, com um line-up 100% feminino. No ano ado, o Festival Forró das Minas reuniu mais de 50 artistas em sua segunda edição. 

Cachê igual é o ideal   196z3e

Além de um arrasta-pé de qualidade e da formação musical de mulheres, o Forró das Minas também não abre mão de outro grande objetivo: a autonomia feminina.  É por isso que a divisão dos pagamentos recebidos pelo grupo é tão importante. 

Quem explica é Andressa Ferri. "Sempre tentamos valorizar o cachê, o que já é difícil. Então, quando a gente consegue um bom [valor], todas as artistas ganham igual. Não tem essa coisa de uma ganha mais que a outra", detalha a idealizadora.

Em um mundo ideal, o esquema seria comum. "Procuramos deixar num padrão que, na verdade, a gente queria que fosse em todo canto. Todo mundo ganhando o tanto quanto os homens", destaca. 

'Existe um lugar comum de achar que o homem é o instrumentista' 5j5j2y

Para Paola, integrante do coletivo, subir ao palco carregando uma sanfona é mais que um orgulho pessoal, é um movimento político. Isso porque a sobrecarga de trabalho feminino, dentro e fora de casa, fez com que muitas não tivessem tempo nem mesmo de aprender a tocar um instrumento. 

"Foi justamente o que, por muito tempo, invisibilizou a presença das mulheres na música. Porque elas tinham que ficar em casa cuidando, sem essa autonomia, essa valorização do trabalho. Somava a falta de valorização do trabalho doméstico e a falta de tempo de se dedicar a um instrumento", opina. 

"Por isso é que falam que os caras tocam melhor. Existe um lugar comum de achar que o homem é o instrumentista, tem uma supremacia. Na verdade, tem a ver com essa estrutura", continua.

É pensando em romper com essa estrutura que o Forró das Minas dá e a mulheres que querem viver da música, mas precisam dar conta dos boletos do fim do mês, da casa e, em boa parte, dos filhos.  

"Muita gente fala 'ai, que lindo as mulheres tocando' parecendo que está fazendo um favor, como se tivessem sido colocadas como cota de representatividade. Não. As mulheres precisam pagar suas contas. Muitas são mães e precisam arcar com aquilo tudo para também conseguirem se desenvolver artisticamente", ressalta. 

A luta é difícil, mas o saldo, para a sanfoneira, está sendo positivo. "Os espaços vão sendo abertos, a estrada está aí e estamos caminhando para ficar cada vez melhor para as mulheres, para as próximas gerações", finaliza. 

No Aquecimento Terraiá, o apresentador Cazé Pecini conversa com convidados que fazem parte dessa festa em quatro episódios semanais. O programa vai ao ar às quintas-feiras, às 20h, no Terra e no canal do portal no YouTube.

*Terraiá 2025: a cobertura do Terra para as festas de São João tem o patrocínio de Amazon.com.br.