Na favela do Boqueirão, o Centro Cultural Sabotage Vive atende 1.200 crianças com atividades sociais, apesar da precariedade. Não tem apoio oficial, nem empresarial, e lança kit que celebra o legado do rapper para arrecadar fundos.
Um kit com dois cadernos, um pôster e uma bag é o corre que os filhos de Sabotage estão fazendo para manter o Centro Cultural Sabotage Vive. Poucos sabem, sequer, que ele existe, mas está localizado no Boqueirão, zona sul de São Paulo, com o chão no contrapiso e o telhado com goteiras. Atende 1.200 crianças. v443s
O Centro é mantido pelo esforço pessoal de Tamires e Sabota Júnior. Não há financiamento oficial nem empresarial. Conta com a ajuda de eventuais parceiros que ficam sabendo que o local existe, das suas necessidades, e sentem que, como cantou Sabotage, “rap é compromisso, não é viagem”.
A filha do maestro do Canão, uma líder comunitária de 31 anos, ainda mora na mesma quebrada, onde a família segue respeitadíssima. Em uma das salas do Centro Cultural Sabotage Vive, ela concede entrevista acompanhada dos criadores do kit com histórias inéditas de Sabotage, em quadrinhos, nas páginas que abrem os cadernos de anotações, além de cartela de adesivos.
“Muita gente não sabe dos projetos sociais do Sabotage dentro da favela”, diz Tamires. O projeto social começou com aulas de axé e capoeira, em um barraco que seu pai ganhou na favela do Boqueirão, em 2000. O barraco foi removido, mas Tamires deu sequência.
Centro Cultural Sabotage Vive na precariedade 4aj1d
Tamires correu atrás e obteve autorização da subprefeitura do Ipiranga para ocupar um espaço de cinco salas na Praça Frei José Maria Lorenzetti, na principal via da favela do Boqueirão. “Nem a subprefeitura sabia que a sala existia”, conta a filha de Sabotage.
Após a pandemia, a paisagem da praça mudou. Ao invés de dependentes químicos (oito moravam onde hoje é o Centro Cultural), há cursos de capoeira, skate, boxe, barbearia. Em breve, de trancista. “Meu pai tinha uma frase que ele vivia dizendo pros moradores, que quando melhorar pra mim, vai melhorar pra você”, lembra Tamires.
A favela do Boqueirão tem dez mil famílias. Festa do Dia das Crianças reúne, fácil, mais de mil crianças. O Centro Cultural Sabotage Vive promove essa e outras festas, distribui comida, faz castração de animais. Promove cursos com formatura, certificado e material para começar a trabalhar.
“A gente pede que as pessoas saibam. Já que não tem ninguém por nós, é nós mesmos”, diz Tamires. Durante a conversa, ela lembra de agens de músicas do pai, proféticas em relação às dificuldades do Centro Cultural Sabotage. Cita “sei que eles doam, mas não pros morros, pra Unicef, pobre esquece”.
Kit é conteúdo importante, com retorno para todos 545vh
Francisco Espectro, cantor e comunicador, e Tales Gurgel, da Entrelinhas Arte & Papel, que produzem o Kit Centro Cultural Sabotage Vive, tiveram o mesmo duplo impacto de quem fica sabendo do projeto social, e como sobrevive. “É um lugar maravilhoso, que funciona na raça. Senti que precisava fazer alguma coisa. O kit é para reverter para a comunidade, é o mínimo”, explica Espectro.
Tales Gurgel teve os memos sentimentos ao conhecer o Centro Cultural Sabotage Vive e a filha do maestro do Canão. Ela é estudante de Direito, cantora, integrante do conselho gestor de saúde, casada, mãe. Gurgel explica que o kit “é uma produção editorial que conta uma história, com conteúdo importante, com retorno para todos”.
Sabotage morreu antes de ficar rico. Sua filha acredita que, se ele estivesse vivo, o centro cultural estaria em outra situação. “Sei o que é ar fome, frio... Quando meu pai morreu, o Brasil gritava Sabotage e a gente ava necessidade”, diz Tamires. Sua expressão de mulher madura não revela ódio, apenas consciência de como é o corre na favela: “A gente vive isso.”